sábado, 26 de setembro de 2020

Vera Lopes


 Interfaces de uma atriz negra gaúcha

 O amplo saguão do Centro Municipal de Cultura ficou pequeno para o tanto de pessoas que, naquela gelada sexta-feira13, compareceram ao lançamento do livro Hamlet Sincrético - Em Busca de um Teatro Negro, no 26º Porto Alegre em Cena - Festival Internacional de Artes Cênicas. Ocasião em que apresentamos a performance-espetáculo Noite Sincrética na Sessão Maldita do Festival. O numeroso público que atendeu ao nosso chamado, atestou que o trabalho realizado pelo “Caixa” possui raízes profundas com frutos saborosos e atrativos.

Nascemos como grupo de teatro quando um coletivo de artistas, negras e negros, das mais diferentes áreas do fazer teatral e/ou a ele relacionados, se juntou. Em comum o desejo de levar para os palcos espetáculos que priorizassem a estética negra em sua amplitude. O grupo recebeu o nome de Caixa-Preta e a peça de estreia foi Transegun, obra do escritor paulista Cuti-Luis Silva. Fomos muito bem recebidos, em especial pelo público negro, que desde então acompanha as produções do Caixa, se fazendo presente, aplaudindo, incentivando, divulgando.

Nosso segundo espetáculo foi Hamlet Sincrético. Divisor de águas no cenário cultural gaúcho, com direção e concepção de Jessé Oliveira, livremente inspirado no clássico de Willian Shakespeare e estruturado em elementos da cultura e da religiosidade afro-brasileira que serviram de metáfora para construir a narrativa dramática. A ousada montagem, ambientada no Hospital Psiquiátrico São Pedro, causou impacto, chamou a atenção da crítica e potencializou a democratização do espaço cênico. Em cada apresentação, mais de cinquenta por cento dos presentes eram pessoas negras. Novidade estrondosa nas plateias de teatro do sul do país.

Esse feito histórico está relatado no livro Hamlet Sincrético - Em Busca de um Teatro Negro, por pessoas que assistiram o espetáculo, pelas atrizes e atores que fizeram parte do elenco, pelo diretor que detalha a concepção, elaboração e o processo de direção. O livro traz também artigos acadêmicos sobre o espetáculo, críticas, algumas matérias publicadas na imprensa, fotos, muitas fotos, lindas fotos e um breve resumo de outras montagens do Caixa-Preta. O livro foi organizado por Jessé Oliveira e Vera Lopes.

O encontro entre diretor e atriz, Jessé e Vera, se deu ao iniciarem as conversas sobre a possibilidade de apresentar um projeto para disputar o edital de fomento a cultura. Depois de alguns encontros, agregando outras pessoas, o projeto foi elaborado, apresentado, defendido e contemplado no Fumproarte - Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística.

Assim, começávamos a escrever a história do Caixa-Preta, grupo de teatro negro em Porto Alegre, do qual sou uma das fundadoras. Muitas pessoas colaboraram, muitos profissionais passaram pelo Caixa e cada uma/um com seu saber contribuiu para consolidar o grupo como referência negra nas artes cênicas na cidade. Recebemos formação, realizamos formações. Até o momento, foram sete montagens de espetáculos, atuei em dois, a saber, Transegun e Hamlet Sincrético. Participamos de festivais no Brasil e no exterior, recebemos prêmios nacionais e internacionais. Realizamos encontros para discutir a participação negra na cultura, na formação do povo brasileiro. Editamos revista e livro.

Sou atriz com 42 anos ininterruptos de atuação e, num país racista como o nosso, tal fato é um feito. Iniciei no teatro, no ano de 1978, com a peça O pulo do gato, direção de Décio Antunes. No cinema estreei no premiado curta O Dia em que Dorival encarou a Guarda de Jorge Furtado e José Pedro Goulart - 1986. Trabalhei em alguns filmes de curta e longa metragens, fiz foto-novela e propagandas. Montei Recitais Poéticos Musicais, nos quais assino a pesquisa, roteiro e também atuo. Destes, destaco: Batuque tuque tuque, baseado na obra poética de Oliveira Silveira; Quadros, baseado na obra poética de Carolina Maria de Jesus e Minas de Conceição Evaristo, igualmente baseado na obra poética de Conceição Evaristo.

Quando a pandemia se instalou, estava atuando em duas séries, “Nós somos pares” de Camila de Moraes; “ChristiAna” de Roni Nogueira e escalada no elenco da série “Éborá” de Diego Alcântara.

A literatura é um outro espaço de “flerte”. Tenho a honra de ser co-autora do escritor CutiLuis Silva no texto teatral Tenho Medo de Monólogo. Também assumo com Jessé Oliveira a edição da Revista Matriz e a organização do livro Hamlet Sincrético - Em Busca de um Teatro Negro ambos editados pelo Caixa-Preta.

Atualmente estou na gestão do Espaço de Humanidades Ossos 21, no bairro Santo Antonio Além do Carmo, Salvador, Bahia. Sou negra, gaúcha, bacharel em direito, resido em Salvador/BA.

Trajetória do Caixa-Preta:

Em seu repertório o Caixa-Preta tem as encenações de Transegun - 2003. Hamlet Sincrético - 2005. Madrugada Me Proteja - 2006. Antígona BR - 2008. O Osso de Mor Lan - 2010. Dois Nós na Noite - 2010. Ori Oresteia - 2015. Todos os espetáculos com direção de Jessé Oliveira. Realizou o Encontro de Arte de Matriz Africana de 2006 a 2011. Editou a Revista MATRIZ - uma revista de arte negra, nº1 - 2010 e o livro Hamlet Sincrético - Em Busca de um Teatro Negro - 2019.

Atualmente o Grupo Caixa-Preta encontra-se em pausa reflexiva.

6 comentários:

  1. Sinto-me privilegiada por conhecer à talentosa atriz e se trabalho atuante em várias frentes da arte.
    Uma lutadora incansável pelos direitos e oportunidades justas do povo negro honrando nossos ancestrais.
    Boa caminhada "Vera" tens meu respeito e admiração.

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  2. Que bom amada Vera. Que lindo registro. Lembro bem das apresentações d Caixa Preta. Sou tua fã. Parabeeéééns.

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  3. Vera
    Só vou dizer que tua incansável atuação, é o suficiente para reconhecer tua grandeza.
    Ter trabalhado contigo foi uma seguranca, pela integridade e entrega com assumes o trabalho
    Um beijo
    Paulo conte

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  4. Seu talento e sua arte são provas de sua resistência e incansável luta por ocupar espaços negados ao povo negro.
    Te desejo sucesso...
    👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿🌹

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  5. Parabéns 👏👏👏 pela trajetória artística e pelo comprometimento com o fortalecimento da cena cultural.
    Viva o teatro, viva as artes!!!

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  6. Parabéns 👏👏👏 pela trajetória artística e pelo comprometimento com o fortalecimento da cena cultural.
    Viva o teatro, viva as artes!!!

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Editorial - Marcelo Cunha

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