...mar e íra...
“A pessoa explosiva, tipo mar da Bahia, fica transparente em dia de sol,
e turva em dia de chuva... Serena, serenata, ser a vida... mas com tempestade,
com desejo e saudade... de quem já foi, é... mar e ira... A pessoa é, como
todas as outras... como a outra que ama... a pessoa é: possibilidade... e seja
lá o que isso quer dizer…”. Um dia me descrevi assim. E já estudava cinema, e
já queria muito aprender fotografia. Depois, passei a ver-me como um terreno
baldio. Mas, ocupei o espaço que havia… me mudei, debandei, demandei um bocado
da vida. Fiz reviravolta e moinho. Tropeçando, levantando. Hoje, falo pouco de mim
(mentira), mas falo muito do que a mim fizeram - tempo, espaço, temporalidade,
territorialidade. Para alguns, devaneio. Para outres, sou como uma montanha
russa, cercada de nuvens porosas por todos os lados. Enfim, sou um pouco assim:
mar e ira. Sedenta. E às vezes, serenata. Muito severa, mas pouco abstrata.
Embora, há quem desdiga… e reclame das minhas brisa-das. Mas, se sou, o que
sou, para além de tudo isso, é o que está em mim inscrito: ser-tão, ser uma:
mulher negra, artista pensante imigrante, mãe; companheira; uma brasileira;
fora de casa, dentro de casa; em trânsito ainda. É que eu fui parida no Rio de
Janeiro, fui criada em Petrópolis, depois cresci em Brasília-Tagua-Samambaia
e, desde 2016, vivo e vivencio a Linha de Sintra, na Amadora, em Portugal: tudo
Planeta Terra total. Por isso… odeio fronteira, mas sou mesmo é filha dela.
Destino. No mais, tenho formação profissional (formal, informal e continuada)
nos campos das Ciências Sociais e das Artes Visuais - fílmicas, performáticas
e fotográficas. Todas elas - ciências e artes -, articuladas através de
estratégias somadas e concomitantes de atuação e escrita político-poética.
Mas, é na base dos afetos, que me descarrilham e desaceleram, afetando tudo,
que sigo em diálogo com as minhas próprias - e com as de outres -
especificidades, insalubridades e conhecimentos periféricos; mantendo assim um
trabalho já extenso, porém, pequeno, em imagens e escrivivências; sobre arte,
educação, cinema e ciência. Sobre televisão, cinema brasileiro, negro, teoria
decolonial, do conhecimento e metodologias antirracistas. Enfim. Tenho por ai,
pelo mundo, alguma coisa já exposta, tanto em publicações, quanto em
coleções privadas e galerias de arte. Aqui e acolá. E ainda dois blogs - flores
de maio (2007-2017) e … dicionário bantu em cartas de amor… (2014)
-, estacionados no espaço; onde colho, colhi e planto pétalas, onde deságuo e
fico em gotas. Muitas delas. Enfim… enfim, de novo. É que eu desenvolvo, como
hoje, como agora, madrugada adentro, certa produção acadêmica. Tenho até um lattes,
muitas páginas nele… a verdade é que tenho mesmo é muita estrada, sabe? Ou,
talvez, não tenha ainda andado quase nada. Nem na Sociologia, que me enquadra,
nem nas artes, que me distorcem, que me torcem por dentro, a todo momento. O
negócio é que na poesia e nas imagens é que eu me acho, mesmo quando eu me
perco. Eu já sou até doutora (2019), mas antes virei mestre (2007). Mas, a bem
da verdade, te digo, é de muitas encruzilhadas que construo o meu percurso. É
assim que vou seguindo e parindo. Como em 2014, por exemplo, quando foi
selecionada para o II Núcleo de Produção em Fotografia Contemporânea,
ateliê profissionalizante em fine art, que culminou na exposição “Abalos
Sísmicos e Outras Movimentações Tectônicas”. Ao mesmo tempo que ia
sendo fotógrafa, eu também ia indo pelo terreno arenoso da academia. Tanto que,
participei, entre 2010 e 2015, como investigadora e produtora de imagens do
TRANSE/UnB, e desde 2014 colaboro com o FICINE – Fórum Itinerante de Cinema
Negro. Ambos grupos de pesquisa vinculados ao CNPQ. Agora,
em 2020, fui parar no Tocantins, e me tornei pesquisadora colaboradora do grupo
de pesquisa "Memória, Arte e Alteridade", da UFT. Sou também uma das
co-fundadoras da Nêga Filmes, coletivo cooperativista fundado em 2015, em
Lisboa, que desenvolve projetos transcontinentais nas áreas de cinema, poesia,
educação e fotografia. E desde 2016, tenho coordenado e feito a curadoria de
diversos ciclos de cinema, em especial a "Mostra Internacional de Cinema
na Cova - África e suas Diásporas", que acontece na Cova da Moura, da
Amadora, em Portugal. Em 2017, fui uma das duas artistas selecionadas pelo
prêmio Lisboa Capital Ibero-americana de Cultura, para uma residência no
Lavadouro Público de Carnide. Disto, que foi muito forte e divino,
nasceu o ensaio fotográfico “As Marcas Somos Nós” publicado na Revista
Eletrônica BUALA. Em 2018, muitas
coisas: parimos a Ashanti; ajudei a fundar o INMUNE; apresentei algumas vezes a
performance "a terra tremeu dentro de mim e eu fiquei sem casa" -
trabalho visceral que já tem também um rastrinho. Em 2019, foram muitas mais
tantas, tantas outras coisas: mediei alguns workshops, como o "Cinema
de/para/com Mulheres Negras" no II Festival Feminista de Lisboa - isso
porque a educação sempre andou comigo, venho percorrendo esse trajeto desde
muito tempo, desde o cerrado, desde o Rio; estive no Festival TODOS como
fotógrafa convidada e desenvolvi o ensaio poético-imagético "caminhos
percorridos com carinho", fruto de um trabalho criado especialmente
para a ocasião. Fui neste mesmo ano, ainda, ao Porto/Portugal, para apresentar
o ciclo “Black Women and New Black Cinema”, cuja seleção de filmes é de
minha curadoria. Agora em 2020, em plena pandemia, ministrei um foto-lab
na Serra das Minas, na mesma Amadora, com uma gurizada maravilha. Mas, então, é
isso. Artigos na SOCINE, no catálogo Clássicos Africanos - A primeira
geração de cineastas na África do Oeste, realizada na CAIXA Cultural Rio de
Janeiro… tantos outros… poucos... Um acúmulo de experiências mais que
especiais. Mais que lindas. E por ser poeta, ainda, desde a
infância, fui me-sendo, fui me saindo: às vezes sã, às vezes, caduca. Mas,
sempre em movimento, sempre sempre sempre, ainda… tudo junto, misturado, e mais
nada.
Que percurso! Quão belos estes horizontes que foste alcançando!!! Cheios de vidas, cheios de gentes, cheios de poesia...Não há generosidade maior do que partilhas como estas, que nos nutrem, que nos revitalizam, que nos fazem ganhar o gosto pelos caminhos, pelos desvios, pelas rotas, pelos trilhos. Obrigado Maíra Zénun <3
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