Ingressei em Artes Plásticas na Universidade Federal
da Bahia, em 1997. Fui a primeira de minha família a ter ensino superior. Sou
de uma linhagem negro-mestiça de trabalhadores e trabalhadoras do sul baiano,
que se desenvolveu à sombra de pés de cacau cultivados nas margens das águas de
rios como o Una, Acaraí, Cachoeira, Almada, Gongogi e de Contas. Meu imaginário
infantil se formou ao som de atabaques e vozes que contavam histórias de cura e
magia dos orixás e dos feitos de benzedeiras, curandeiros, lavradores e
mulheres que resistiram, a seu modo, defendendo as heranças ancestrais na
região.
De lá eu saí. E conheci outro mundo de heróis: os
sindicalistas do ABC paulista e das Comunidades Eclesiais de Base. Novas
paisagens tomaram meus olhos: cavalarias de polícia, operários algemados em
plena passeata, comícios em porta de fábrica etc. Sim, testemunhei tudo isso
ainda criança porque havia indústrias metalúrgicas no bairro em que morava.
De volta à Bahia, a vivência na Residência
Universitária da UFBA, a militância no Partido dos Trabalhadores e no movimento
estudantil me provocavam na dimensão das culturas, identidades e do fazer
política no cotidiano. Então, me engajei no Programa UFBA em Campo. Fundamentado na construção
solidária de conhecimento, o programa de extensão se constituía de estudantes,
professores e lideranças comunitárias, voltadas para o desenvolvimento
(interdisciplinar) de ações em contextos comunitários.
Minha primeira experiência foi no Centro Histórico de Salvador. Conheci artistas plásticos negros, que viviam
em um universo paralelo ao mundo oficial da arte. Agindo nos limites de um projeto
universitário, concluímos a atividade refletindo sobre a desconstrução da neutralidade científica, do
conhecimento universal e as diversidades de sujeitos viventes no bairro “cartão
postal da democracia racial baiana”. E eu, desejando saber mais sobre da
produção visual dos afro-brasileiros na Bahia.
Na extensão da UFBA, participei de outra atividade, o
Projeto: Paraguaçu – convivência comunidade e universidade, que durou
cerca de 04 anos no distrito rural de Santiago de Iguape (Cachoeira-BA). Foi
por intermédio desse projeto que a Fundação Cultural Palmares se voltou para a localidade
e iniciou o processo de reconhecimento das comunidades remanescentes
quilombolas da região.
As reflexões daquele contexto me levaram a
problematizar a formação do artista visual contemporâneo e a diversidade, cursando
o Diplôme d´Etudes Approfondies en
Sciences de l´Education na Universidade Lyon 2, na França. Ao retornar, iniciei minha carreira
profissional como docente universitária na rede particular.
Nos idos de 2006, segui para o mestrado em Cultura e
Sociedade da UFBA intrigada com as estratégias
comunitárias de defesa de um monumento
natural e histórico, a Pedra do Quilombo Buraco do Tatu ou Pedra de Xangô, em Cajazeiras, periferia de Salvador.
Aproveitei essa experiência atuando no Instituto
Anísio Teixeira, órgão da Secretaria da Educação da Bahia, voltado para a formação e
aperfeiçoamento de seus profissionais. Coordenei um pioneiro programa
de formação para a educação das relações
étnico-raciais no estado.
Naquele contexto, em 2008, apoiamos a
vinda de Angela Davis, Enrique Dussel, Ramon Grosfoguel e outros intelectuais
desse campo à Bahia, promovendo conferências ou cursos transmitidos para todo o
interior do estado através da rede de videoconferência e de Educação à
Distância, mantida pelo governo estadual. Em três anos, formamos cerca
de quatro mil educadores para atendimento das leis 10.639/03 e 11.645/08. Essas leis federais
exigem o ensino
da História da África
e dos povos ameríndios, das Culturas afro-brasileira e indígenas em todas as escolas do país. Em 2010, a Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR), órgão ligado à Presidência da República, premiou
o referido conjunto de ações,
concedendo ao governo da Bahia o Selo
Educação Para as Relações Etnicorraciais, honraria destinada às principais
iniciativas brasileiras pela igualdade racial no campo da educação. Nosso
estado foi o primeiro a ter esse tipo de reconhecimento no país.
No mesmo ano, me
tornei docente do Instituto Federal
de Educação Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano), Campus Valença. Logo
depois, cursei o doutorado em Estudos Étnicos e Africanos na UFBA, focando a
arte afro-brasileira contemporânea.
No IF Baiano, colaborei com a criação do seu Núcleo
de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas. Atualmente, desenvolvo pesquisas e projetos de
extensão voltados para as Artes visuais, Identidade e Cultura Afro-brasileira,
Educação, Ilustração Científica e Território. Coordeno também o curso de
especialização em Relações Étnico-Raciais e Cultura Afro-brasileira na Educação
(REAFRO), voltado para educadores do Baixo Sul, e um grupo de pesquisa pelo
CNPq, o NEABI do IF Baiano. Nessas novas trilhas investigativas, me reencontro
nos processos que dão visualidade e visibilidade aos sujeitos, lugares e
práticas cotidianas ancestrais do sul da Bahia.
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