sábado, 26 de setembro de 2020

Bebel Nepomuceno

 



O PPGMUSEU, O MUSEU AFRO E A ABERTURA À INTERCULTURALIDADE

Em 2014, participei da seleção para Pesquisador/Docente com Bolsa do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD) do Programa de Pós-Graduação em Museologia do Departamento de Museologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (UFBA).  Apresentei o projeto de pesquisa intitulado “Áreas de Culturas Negras ao Sul do Atlântico - De uma história eurocêntrica a perspectivas post-coloniais”, com foco em expressividades, linguagens, celebrações, performances, práticas e heranças de grupos afrodescendentes, sobretudo rurais, tema a que me dedico já há alguns anos.

Em meio ao entusiasmo pela aprovação e à expectativa de viver a/na Bahia, particularmente Salvador, advieram as dúvidas: como minha pesquisa poderia se enriquecer no âmbito de um Departamento de Museologia, incorporada a uma linha de pesquisa em Museologia e Desenvolvimento Social? O que eu, vinda de graduação em Comunicação Social/Jornalismo, com especialização em História da África, e Mestrado e Doutorado em História Social, ambos com foco na diáspora africana, teria a oferecer ao programa, uma vez que havia a obrigatoriedade de atividades de docência? Ao fim, o sentido do desafio foi mais forte.

A perspectiva inter e transdisciplinar, alicerçada nos Estudos Culturais e em vertentes dos estudos pós-coloniais, perpassam minha trajetória acadêmica pois, como pontua o filósofo e teórico argentino Enrique Dussel (1966), desconstruir o pensamento imperial, ou a colonialidade do saber, isto é, a perspectiva eurocêntrica como única forma válida de conhecimento, requer “uma pedagogia crítica e fortemente ancorada na ‘interculturalidade’, de forma a permitir a emergência de outros paradigmas e a restituição do direito à enunciação epistêmica” (DUSSEL, 1996).

O desejo de ampliar conhecimentos e redes de troca, estabelecendo novas interlocuções teóricas, me levou a encarar um campo do saber praticamente desconhecido para mim. O Programa de Pós-Graduação em Museologia representava, então, a chance de entrar  em contato com diferentes abordagens, autores, concepções e percepções, sobretudo acerca da cultura afro-brasileira, principalmente considerando um passado dos museus de consolidação de “discursos e sinais sobre a presença negra carregados de lugares comuns, conceitos e preconceitos” (CUNHA, 2006), em contraponto a reflexões do presente que buscam rever formas de representação culturais de grupos não hegemônicos

Ao longo do estágio pós-doutoral a pesquisas sofreu ajustes, passando a focar em práticas e expressividades de grupos subalternizados nas “festas de largo” de Salvador e região do Recôncavo, com vistas a apreender significados políticos e transgressões utilizados como afirmação de suas identidades, em confronto à opressão e dominação racial e em oposição a dispositivos de exclusão social. Além de acompanhar festas e celebrações, levantei bibliografia sobre o tema, me inteirei sobre a amplitude do campo museal, visitei candomblés e fiz uma espécie de etnografia pela vida e espaços baianos. As diferentes vivências possibilitadas pelo estágio foram fundamentais para ampliar meu escopo de conhecimentos.

Assim, saúdo com muita alegria a chegada da Revista do Mafro- Africanidades, que nasce com espírito e sentido intercultural, abrindo-se a colaboradores e pesquisadores de diferentes campos do conhecimento, propondo-se a ser canal de difusão dos plurais universos africanos e afro-diaspóricos.     



[1] Doutora em História Social pela PUC-SP. Cumpriu estágio Pós-Doutoral no PPGMuseu entre dezembro de 2014 e setembro de 2016 com bolsa PNPD-CAPES. Atualmente integra Projeto de Mapeamento das Comunidades Tradicionais de Matriz Bantu na Região Metropolitana de São Paulo, coordenado pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Paulo (NEAB/UNIFESP).


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