sábado, 26 de setembro de 2020

Juipurema Sandes

 



Minha história com o Museu Afro-Brasileiro se inicia em 2003, quando ministrava um curso sobre a utilização da imagem na pesquisa histórica e abordagens pedagógicas a partir de artefatos musealizados, apresentando o projeto “História através das medalhas”, executado no Museu Eugênio Teixeira Leal. Participou do curso a museóloga Maria Emília Valente Neves, coordenadora do Museu Afro-Brasileiro neste período, que se interessando pela idéia do programa educativo apresentada, convidou-me a elaborar um projeto similar na instituição, com a contribuição da Profa. Joseania Miranda Freitas e do Prof. Marcelo Cunha, docentes associados, na época.

Após um período de tramitação para aprovação e capitação de recursos, o projeto que a esta altura já se chamava “Projeto de Atuação Pedagógica e Capacitação de Jovens Monitores” teve início em novembro de 2004. O projeto consistia em desenvolver ações educativas com a finalidade de divulgar conhecimentos acerca da história e culturas dos africanos e afrodescendentes, a partir das peças do acervo, contribuindo com o processo de implementação da Lei 10.639/03 e com a construção de relações étnico-raciais positivas.

Além das ações de cunho pedagógico o projeto manteve uma equipe de pesquisa sobre as temáticas do acervo, sistematizou as fichas das peças, formou uma equipe de monitores composta de 12 jovens ligados a associações de protagonismo negro e elaborou quatro cartilhas de apoio à ação educativa, para professores e estudantes, publicadas em 2005 e 2006.

Durante o projeto e ao longo das edições, de 2007, 2008 e 2009, fui estabelecendo contato progressivo com o museu, com o acervo e com a literatura referente, que me possibilitaram o amadurecimento de uma visão geral das coleções que o compõe e dos múltiplos caminhos de pesquisa e aprofundamento.

Na minha pesquisa de mestrado realizei o estudo da Coleção de Cultura Material Religiosa Afro-Brasileira, sob a orientação do Prof. Marcelo Cunha, que possibilitou a criação de um quadro classificatório com a finalidade de estruturar uma base conceitual para estudos da coleção, gerar unidades com valor preditivo e heurístico, estabelecer conjuntos definitórios para os artefatos e organizar virtualmente a coleção. Na pesquisa também se remontou a história da formação da coleção e entrada dos artefatos no acervo, analisando o conjunto de ações e relações entre as instituições, os dirigentes, os pesquisadores, os artistas, os intelectuais, os militantes e as comunidades religiosas envolvidas no processo de estruturação do Museu Afro-Brasileiro, além de analisar os de perfis gerais de classificação, datação, espacialidade de origem e apresentar grupos de análise ordenados por materiais e técnicas utilizadas na confecção dos artefatos da coleção.

As pesquisas realizadas fomentaram um programa de maior amplitude que envolveu e envolve outros estudos das diversas coleções do museu dando origem a trabalhos acadêmicos, além de me estimular a continuar meus estudos focando na Coleção de Cultura Material Africana do Museu.

A pesquisa atual se propõe a estudar a coleção, analisar a história de sua criação e formação, bem como, do Museu Afro-Brasileiro e do Centro de Estudos Afro-Orientais, refletir sobre os processos de patrimonialização da cultura africana no Brasil e suas implicações no estabelecimento de significações dos discursos institucionais envolvidos. No que tange as fontes e informações já coletadas para o desenvolvimento da pesquisa foram consultados e analisados os documentos do arquivo institucional do Museu Afro-Brasileiro, além de analisar artigos publicados na revista Afro-Ásia, entre os anos de 1965 a 1983 e 1995, e numerosas notícias de jornais, publicadas em órgãos da imprensa baiana, no período de 1974 a 2002. Outro conjunto documental consultado foram as correspondências trocadas entre Pierre Verger e Marianno Carneiro da Cunha, em que reportam a participação de Verger em viagens para o continente africano, com a finalidade de comprar artefatos destinados ao MAE-USP e ao Museu Afro-Brasileiro (MAFRO-UFBA).

Desta forma, mantenho minha relação imbricada com o Museu e todos os funcionários e colaboradores, que ao longo destes 16 anos de contato. Que refletem na minha atuação acadêmica e colaborativa em relação a instituição.

Entendo a importância que o Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia tem para o campo de estudos das africanidades e dos coletivos de defesa da valorização da cultura negra. A origem e instauração do Museu conta essa história e a trajetória afirma e reafirma sua posição de instituição de vanguarda. Desejo que o presente periódico estenda os princípios da atuação do Museu e auxilie na divulgação das produções, ações e projetos por ele desenvolvidos.

 

Prof. Juipurema A. Sarraf Sandes[1]



[1] Historiador, Mestre em Estudos Étnicos e Africanos pelo PósAfro / CEAO / Universidade Federal da Bahia. Desenvolve pesquisas no campo da História da Cultura Material, abordando as relações entre simbologia, religião e culturas de matriz africana, bem como, os processos de patrimonialização da cultura negra. Atualmente é Diretor do Centro Educacional Anísio Teixeira em Camaçari-BA.


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